domingo, 5 de junho de 2011

Por que não sou: Teocrata Direto




"Esta contradição é a seguinte: eles querem Deus e querem a humanidade. Obstinam-se em colocar juntos dois termos que, uma vez separados, só podem se reencontrar para se entredestruir. Eles dizem de uma só vez: Deus é a liberdade do homem, Deus é a dignidade, a justiça, a igualdade, a fraternidade, a prosperidade dos homens, sem se preocupar com a lógica fatal, em virtude da qual, se Deus existe, ele é necessariamente o senhor eterno, supremo, absoluto, e se este senhor existe, o homem é escravo; se ele é escravo, não há justiça, nem igualdade, nem fraternidade, nem prosperidade possível. De nada adiantará, contrariamente ao bom senso e a todas as experiências da história, eles representarem seu Deus animado do mais doce amor pela liberdade humana: um senhor, por mais que ele faça e por mais liberal que queira se mostrar, jamais deixa de ser, por isso, um senhor. Sua existência implica necessariamente a escravidão de tudo o que se encontra debaixo dele. Assim, se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir à liberdade humana; seria o de cessar de existir."
  
-Deus e o Estado, de Bakunin.


 

Ultimamente, tenho visto teístas se declarando anarquistas, com o argumento de que a única autoridade legítima é Deus, e rejeitando as autoridades terrenas. O Divino deve ser o único governante.

No entanto, como nos apontou Bakunin em seu livro, há uma grande contradição. Anarquia significa SEM GOVERNANTES. No momento em que há um ou mais deuses como reis ou juízes, com autoridade e poder, eles passam a ser governantes, o que é caminha contra os nossos ideais.

Não digo que é necessário que o anarquista seja ateu, ou mesmo agnóstico. Taoísmo e Budismo, por exemplo, são religiões que não se sujeitam a um "senhor invisível e poderoso". O Panteísmo e o Deísmo possuem concepções e significados para "Deus" que não incluem um rei-divino e a submissão da humanidade a ele.

Todavia, algumas religiões, especialmente as monoteístas (Judaísmo, Cristianismo, Islã), mas não excluindo as antigas ou atuais politeístas (Hinduísmo), veem tais seres divinos como senhores supremos, com direito a vida e a morte dos seres vivos, punidores e recompensadores. Ditadores sobrenaturais. 

Como podemos sonhar com um mundo sem senhores e ao mesmo tempo defender um "governo" divino? Talvez tal sonho nada tenha haver com anarquia.

Teocracia significa "governo de deus", geralmente sendo associada a um Estado formado por uma elite que representa a vontade dos deuses, o clero. Podemos interpretar isso, na verdade, como uma teocracia INDIRETA, pois deus ou os deuses não governam diretamente, mas através de representantes.

Mas se o próprio Deus viesse a nós e dissesse que irá nos governar diretamente, como por exemplo os diversos cristãos que esperam delirantes e ansiosos pela volta do que eles chamam de "Cristo-Rei", para punir e recompensar, isso não continuaria a ser um "governo de deus"? Não continuaria sendo uma teocracia? A única diferente é que seria uma teocracia DIRETA, sem intermediários.

Ora, se eu sou um anarquista, eu deveria rejeitar todos os governantes, e não só os humanos. No momento que me sujeito a um deus-rei ou um deus-juíz, deixo de ser anarquista e automaticamente passo a ser um teocrata, mesmo que rejeite os intermediários divinos.

Reforço que não se trata de um anarquista precisar ser ateu. Se trata de um anarquista não se sujeitar ou aceitar qualquer autoridade que seja. 

"Amoroso e ciumento da liberdade humana e considerando-a como a condição absoluta de tudo o que adoramos e respeitamos na humanidade, inverto a frase de Voltaire e digo que, se Deus existisse, seria preciso aboli-lo. "



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